Versos e Prosas
FELIZ, POR UM TRIZ…
Geninha Freire
Razão tem
Simone de Beauvoir
Nunca nascida se nasce,
Torna-se mulher…
Mas toda menina
Desde pequenina
Traz em seu ventre
Latente
Garra, força, fé, coragem
Dissipar miragem…
Preconceitos
A serem desfeitos.
Mulher-loba-selvagem
Pula, dança, saltita
Na floresta de asfalto.
Quebra regras sisudas
Pra não-muda se tornar.
Muito a conquistar,
Ainda há!
Dignidade, respeito
Erguer o peito
Quando a força bruta
Violenta, machuca
E desfaz em pedacinhos
Todos os lacinhos
Da menina, jovem
Adulta, anciã
Atéia, cristã…
Mulher sem idade
Pura criatividade
Costura emoções
Rompe padrões
Tempera a vida
Idas e vindas
Variados sabores
Prazeres e dores
E por um triz
Se faz feliz
Nesse quadro de giz…
FERNANDO PESSOA
Outros terão
Um lar, quem saiba, amor, paz, um amigo.
A inteira, negra e fria solidão
Está comigo.
A outros talvez
Há alguma coisa quente, igual, afim
No mundo real. Não chega nunca a vez
Para mim.
“Que importa?”
Digo, mas só Deus sabe que o não creio.
Nem um casual mendigo à minha porta
Sentar-se veio.
“Quem tem de ser?”
Não sofre menos quem o reconhece.
Sofre quem finge desprezar sofrer
Pois não esquece.
Isto até quando?
Só tenho por consolação
Que os olhos se me vão acostumando
À escuridão.
Fernando Pessoa, 13-1-1920.
QUE TAL, NESSE NATAL…
Eugênia Maria Nascimento Freire
Que tal,
Nesse Natal…
Sonhar
Família ampliar?
Que tal,
Nesse Natal…
Tudo parar
Coração disparar?
Que tal,
Esse Natal…
Sem briga
Lutar sem intriga?
Que tal,
Nesse Natal…
Escolher caminho
Consciente, Devagarinho?
Que tal,
Nesse Natal…
Reinventar manjedoura
Humildade duradoura?
Que tal,
Nesse Natal…
Dizer a verdade
Sem maldade?
Que tal,
Nesse Natal…
Ser/vida
Querer/Querida?
DIA INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Eugênia Maria Nascimento Freire
O ponto de ônibus
A longa espera
Quando chega, quando parte
Ninguém sabe
Direitos humanos?
Gente apinhada
Sufocada, acanhada
Suor espalhado
Banco estragado
Direitos humanos?
Pedestres em sujas calçadas
Fedorentas, despedaçadas
Esburacadas, perigosas
Estreitas, desastrosas
Direitos humanos?
Escola pública abandonada
Alunos aprendem nada
Professores mal remunerados
Desrespeitados
Direitos humanos?
Salário mínimo não dá
Pra quase nada comprar
Subsistência violentada
Completamente aviltada
Direitos humanos?
O filho do trabalhador
Sente fome, sente dor
Vida desassistida
Necessidades básicas desatendidas
Direitos humanos?
Casa própria impagável
Sonho irrealizável
Não há lugar
Ausência de lar
Direitos humanos?
Constituição de direitos adormecidos
Completamente esquecidos
Na violência do capitalismo
Joga o povo no abismo
Direitos humanos?
Ilusória liberdade
Encobre a verdade
Sem dinheiro pra viajar
Não há como se deslocar
Direitos humanos?
Fome de alimento,
Fome de saúde, medicamento,
Fome de liberdade
Fome de honestidade
Direitos humanos?
Governantes encastelados
Pelo poder extasiados
Esqueceram os direitos humanos
Jogaram o povo na cova da fome
Direitos humanos?
AUSÊNCIA
Carlos Drummond de Andrade
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
PRESSÁGIO
Fernando Pessoa
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar pra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente…
Cala: parece esquecer…
Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
Pra saber que a estão a amar!
Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar…
LUA ADVERSA
Cecília Meireles
Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua…
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases como a lua…)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua…
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu…
DOMINGO
Arthur Borba
Vicinal dilema
Sodalício da angústia
Marco temporal da ventura
Quando ápice do júbilo
Curto tempo representa
Nada indica do futuro
Quando cume da agonia
Longo tempo já demora
O silêncio se perfaz
Mesmo sol se apresenta
Fim ou início do problema?
Verso e anverso do dilema
QUADRILHA
Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim
que amava Lili que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
Última atualização: 11/03/2014, 11:58